A princesa acordou tarde, de ressaca, com um hálito assustador, a cara amassada de quem pegou pesado na noite anterior e um cara amassado, com quem ela costumava se pegar pesado em noites assim.
Dispensou o peguete, achou o copo da Starbucks ainda pela metade e esquentou no micro-ondas, acendeu um cigarro e foi para a varanda.
Ser princesa nunca foi tarefa fácil para Aurora. Sentia a pressão dos compromissos, dos interesses do mercado e da legião de súditos que ela não podia decepcionar. Mas esses, se a vissem naquele estado, certamente não a reconheceriam – estava bem diferente da personagem que exibia em suas aparições públicas.
Sabia que aquele comportamento não condizia com alguém em sua função. A alta rotatividade de copos, corpos, drogas, as madrugadas de Chatroulette… Até quando conseguiria manter tudo isso fora do alcance das pessoas que garantiam sua posição? E quanto mais se preocupava, mais se afundava.
E o pior, ou melhor, é que nada disso existia antes de se tornar princesa. Ao menos, não com tal intensidade. Foram hábitos que a jovem Aurora recolheu do submundo da cidade, de sua trajetória de atriz aspirante até a realeza, da convivência com simpáticos e sorridentes membros da corte durante o dia, que à noite usavam a química para fugir daquela realidade artificial. Quando a responsabilidade pesou sobre seus ombros, sabia exatamente o que fazer para aliviar.
O café acabou, a princesa encheu o mesmo copo com suco de laranja e vodka. Não que tivesse o hábito de beber pela manhã, mas é que naquele dia estava sem seu beque matinal – pegaria mais tarde nos arredores do castelo. Ligou a TV para assistir cartoons, checou os e-mails, twitou com um perfil falso, fumou de novo, viu alguma pornografia, descobriu novas manchas estranhas durante o banho, almoçou, vomitou.
O dia hoje seria pesado, com duas Paradas – se sentisse alguma coisa ao final, seria seu maxilar doendo. Tomou um Prozac pra aliviar a consciência, um brilho para dar energia, guardou uma bala na bolsa para entrar no clima mais tarde, pegou seu crachá da Disney e saiu apressada, tinha uma longa sessão de maquiagem antes de assumir, mais uma vez, a identidade de Cinderella, princesa maior no Reino Mágico de Walt Disney, espelho de meninas do mundo inteiro, alvo dos olhares e da admiração de milhares todas as noites, co-responsável por milhões em vendas de produtos licenciados. Correu para o taxi antes que o pavor a fizesse voltar.